Georgina foi uma das doze mulheres que entrevistei lá em cima. Uma mulher diferente de todas as outras.
Filha e neta de húngaros, Georgina é, ainda hoje, uma mulher dividida entre duas culturas. O pai, jogador de futebol na Hungria, viajou em 1926 com a sua equipa até à Madeira. A convite do Nacional ficou a jogar no clube e, um ano depois, passa a integrar o Marítimo. Em 1925 tinha já nascido na Hungria o irmão mais velho de Georgina. A mulher e o filho, juntam-se-lhe na Madeira e, em 1929, já com a dupla função de treinador-jogador do Futebol Clube do Porto, nasce a irmã mais velha de Georgina, na invicta.
Mas esta criança não ficaria a viver em Portugal por muito tempo. A mãe decide levá-la para viver com os avós maternos pois estes, com a vinda da filha para Portugal, tinham ficado muito sozinhos. Durante um ano, a mãe de Georgina habituou a filha mais velha ao convívio com os avós e, depois, regressa a Portugal. Seria uma decisão trágica que exporia, anos mais tarde, a já adolescente rapariga aos horrores da II Grande Guerra.
Em 1932, na freguesia de Paranhos, nascia Georgina. A família não ficaria para sempre na cidade do Porto. Em 1935, o pai irá treinar o Braga. Soutelo, em Vila Verde, é a localidade que desperta as memórias alimentares mais remotas de Georgina. Em casa, só se comia comida húngara. Dois anos depois, com o convite para treinar o Sporting, o pai de Georgina traz a mulher e os três filhos ficando a família a viver em Paço de Arcos até 1944. Em 1938, nascia o irmão mais novo de Georgina.
Paço de Arcos representa, nas memórias de Georgina, o lugar mítico onde a mãe ensina aos filhos um modo de vida profundamente influenciado por Sebastian Kneipp, o padre bávaro criador da naturopatia e defensor da hidroterapia. Georgina era uma criança franzina e muito doente e acredita ter sido a alimentação natural, aliada a intenso exercício físico que incluía longas e diárias caminhadas de Cascais ao Guincho, juntamente com a prática da hidroterapia que lhe permitiriam sobreviver a uma infância que estava, também ela, condicionada ao racionamento alimentar da II Guerra Mundial.
A mãe recorria aos ensinamentos de Kneipp para tratar não apenas as frequentes amigdalites da filha, como também para cuidar de toda a prole quando as doenças infantis chegavam. Ultrapassadas as fragilidades da saúde na infância, Georgina torna-se campeã nacional de ténis na adolescência. A prática desportiva era naturalmente influência do pai e da mãe a qual nadava nas praias da Linha de Cascais, no Tejo e em redor das Berlengas. A família regressaria ao Porto em 1945, depois do nascimento, no mesmo ano, da irmã mais nova de Georgina. A Portugal regressaria, também, a irmã mais velha de Georgina, profundamente traumatizada pela II Guerra Mundial.
Posteriormente, iriam viver para o Algarve, onde o pai treinaria mais duas equipas de futebol. As viagens constantes do treinador dificultaram a consolidação de relações de amizade com os colegas da escola. Georgina queixa-se de um desenraizamento que continua a sentir, afirmando que não pertence a nenhum lugar. O casal e os cinco filhos viviam uns para os outros e em casa só se falava húngaro. O pai é recordado como um homem autoritário, íntegro e puro e a mãe como uma fada. Ambos proporcionaram aos filhos o que Georgina define como numa infância felicíssima.
De volta a Soutelo, novamente para o pai treinar o Braga, Georgina inicia o seu curso no Magistério Primário. É também em Soutelo que conhece aquele que viria a ser o seu marido. Recorda o momento como um acontecimento mágico e romântico. Casam-se em 1953.
O casal teve dois filhos; uma rapariga e um rapaz, ambos nascidos em Braga. Com o casamento, Georgina começa a comer, pela primeira vez, comida portuguesa confecionada pelas criadas lá de casa. É também somente após o casamento que Georgina prova álcool. As mudanças na dieta levaram-na à cama e só lhe valeu uma cura feita nas termas de Chaves no ano de 1954. Da mãe pouco aprendeu a cozinhar porque ela preferia que a filha se dedicasse aos estudos e não às aprendizagens culinárias. É o marido que, após o casamento, lhe foi ensinando algumas receitas portuguesas.
Mantém uma relação funcional com a comida, referindo que come para comer e não vive para comer, rejeita as comidas excessivamente gordurosas e açucaradas e não aprecia o que é normalmente caraterizado como comida transmontana. Refere-se, frequentemente, à comida dos transmontanos como a comida deles e à comida húngara como a nossa comida. Atualmente, Georgina, que enviuvou em 1997, vive sozinha na sua quinta. E os filhos e os netos vivem na zona do Porto. Dos irmãos, apenas estão vivas as duas irmãs que vivem em Vancouver. Georgina viaja com muita frequência. Conhece quase toda a Europa e gosta de provar a comida dos lugares que visita. Diz que as viagens sempre fizeram parte da sua vida mas que continua a sentir-se desenraizada onde quer que esteja. Na Hungria, numa viagem feita há sete anos, já não conseguiu encontrar ninguém da sua família.
Em casa dos meus pais comia-se sopa, aquelas sopas de natas, e com um prato daquela sopa também fica uma pessoa saciada. Muitas vezes era só a sopa com a massa que ela fazia. As sopas húngaras são autênticas refeições: tem batata, tomate, pimento, aqueles lençóis de massa, nata, tem tudo. E depois frango. Comíamos pouco peixe, porque na Hungria também não há peixe, a não ser peixe do lago. Eram mais aves que comíamos, ovos, cogumelos, mas pão não se comia à refeição. Fruta à sobremesa ou então ela fazia bolos tão bons e nós comíamos logo tudo.
E hoje decidi fazer csipetke. Bom, não serão os verdadeiros csipetke, mas um bocadinho de criatividade não faz mal a ninguém:)
Juntei 200 gramas de farinha a 2 gemas de ovos, salsa e alho bem picadinhos, uma pitada de flor de sal e água qb para fazer uma massa elástica. Amassa-se bem, faz-se um rolo e cortam-se pedacinhos bem pequenos.
Entretanto, tem-se ao lume uma panela com água a ferver e vão-se deitando os csipetke para cozer. No máximo uns dez minutos. Atenção que se ferverem pouco tempo, a massa não coze no interior. E aumentam bastante de tamanho.
Retirar com uma escumadeira e deitar logo num recipiente onde já se tem um pouco de azeite e sumo de limão. Juntei feijocas cozidas e um pouco de requeijão.
Também fiz uma salada. Não posso dizer para acompanhamento, porque segundo as teorias do Dr. Bircher-Benner, todas as refeições devem começar com um prato de vegetais crus, para se evitar a leucocitose digestiva. Assim fiz. Neste caso juntei alface, cenoura, cebola e sementes de abóbora.
Ni,
ResponderEliminarA tia de um amigo meu segue este mesmo tipo de dieta. Aos 40 e tantos anos, foi diagnosticada com uma doença renal seríssima, e ficou com apenas 20% dos rins a funcionar. Claro que a mandaram para a diálise, as chances dela eram poucas, mas ela foi atrás de outras alternativas. Mudou a dieta, instalou uma sauna caseira na casa de banho, daquelas em que fica-se com a cabeça para fora. Ela faz sauna, seguida de um banho gelado, diariamente. Resultado - apesar de ter umas crises de vez em quando - já que não resiste a uma comidinha "venenosa" nas ocasiões especiais, mas somente nelas! - ela JAMAIS teve de fazer diálise, não toma medicamentos, e nunca usar perfumes ou desodorantes, por exemplo, porque a pele dela é perfumada. É quase um milagre.
Ela come todos os dias uma salada de alface, cenoura, azeitonas, ovo cozido e castanhas-do-pará moídas. Quando hospedei-me na casa dela, tentei, mas morria de fome. Não estou preparada par algo assim, mas admiro muito quem o faz.
Um beijo!
PS. Ela está com 71 anos! E perdão pelos erros de digitação!
ResponderEliminarDani,
ResponderEliminarAinda bem que me contas essa história. É que fico sempre de pé atrás com os testemunhos milagreiros que aparecem na net e que são repetidos à exaustão de blogue em blogue, ou de site em site. Nada como conhecer estas histórias em primeira mão, bom, no caso, em segunda mão!
Eu também procuro seguir algumas recomendações de um livro dos descendentes deste médido, nomeadamente aquela cena de passar uma luva de crina pelo corpo todo logo pela manhã. Agora banhinho frio é que já não é comigo :)
Ter uma alimentação natural nem é muito difícil de se manter. Acho que o mais complicado é mesmo quando temos a casa cheia de porcarias e não lhes conseguimos resistir. Ou quando vamos comer fora e não há alternativas saudáveis.
Para mim, as melhores coisas, ou seja, as coisas que me sabem bem e que não me deixam pesadona depois de uma refeição, são as coisas simples. Aqui para casa não se compram salsichas de tofu, nem hamburguers de seitan.
Mas cada pessoa tem de encontrar o seu próprio equilíbrio.
O curso de cozinha macrobiótica que fiz há uns anos permitiu-me perceber que aquela percentagem de cereais que a macrobiótica aconselha, não se coaduna com o meu organismo.
Também percebi que em períodos em que perdia o apetite, a única coisa que me apetecia comer eram frutas e legumes. Mas tudo confecionado de forma bem simples.
Claro que, por vezes, gosto de asneirar. Mas muito menos do que no passado!
Beijinho!
As tuas ementas deixam-me sempre curiosa.
ResponderEliminarEu sou Georgina, sempre desenraizada !! : (
Adri: mas olha que a Georgina é uma das mulheres mais equilibradas que alguma vez conheci! Essa coisa de ser cidadã do mundo é uma mais valia!
ResponderEliminarbeijinhos