sábado, 15 de dezembro de 2012

NUTRIR


Um dia muito bem passado com a Inês a aprender os fundamentos da cozinha sem glúten e sem lactose. Cozinhámos, entre muitas outras coisas deliciosas, chucrute, puré de millet e couve flor e tarte de frutos silvestres. 


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

PÃO DOCE DE ALFARROBA EM TESTES


Farinha de trigo sarraceno, água, açúcar de côco, alfarroba, goma xantana, fermento seco, raspa de laranja, flor de sal e nozes. Variações a serem testadas nos próximos dias. Por cá e em Lisboa.



segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

PÃO COM ALMA E SEM GLÚTEN


Apesar do dedo cortado e de ter conseguido que o papel pardo pegasse fogo quando coloquei  o pão dentro do forno (típico: tinha o forno programado para aquecer apenas a resistência superior!), o resultado foi mesmo muito bom. 
A receita deste pão de farinha de arroz, copiada da embalagem da goma xantana, está aprovada. A goma xantana funcionou perfeitamente como agente espessante e agregador nesta combinação sem glúten. 
O que não mudou foi mesmo a minha maneira preferida de comer pão: com nozes e gomos de maçã sumarenta. Soube-me pela vida. E a alma reconfortou-se.

Ingredientes
500 grs de farinha de arroz (branca, integral ou uma mistura das duas)
1 colher de chá de flor de sal
2 colheres chá de açúcar
1 pacote de fermento seco
2 colheres de chá de goma xantana (vende-se no Celeiro)
550 ml de água
3 colheres de sopa de óleo

Preparação
Misturar a água morna com o fermento e o açúcar dissolvendo bem. Deixar repousar cerca de 10 minutos até a superfície do líquido ficar coberta de espuma (significa que o fermento foi ativado).
Numa taça deitar a farinha, o sal e a goma xantana. Juntar o fermento dissolvido em água e envolver até incorporar todo o líquido. Adicionar o óleo e envolver bem.
Colocar numa forma untada com óleo e deixar repousar cerca de 1h30m. 
Levar a forno pré-aquecido a 200º, tapando a forma com papel pardo ou vegetal, durante cerca de 50 minutos (deve-se ir testando).
Retirar da forma e deixar arrefecer na rede para não acumular humidade na massa.




sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

BOLO DAS NINFAS

Aos homens que se aventuram no caos, as ninfas da floresta gostam de oferecer o deleite dos frutos silvestres adoçados com os seus beijos. Curam-lhes as maleitas do corpo e da alma e despedem-se com flores de trigo mourisco que os homens encontram quando despertam das sestas tardias. Na terra dos homens, as mulheres evocam as ninfas e presenteiam os homens com bolos de flores delicadas cobertos de memórias desses beijos açucarados.





Para este Bolo das ninfas, inspirado neste da Sarah, utilizei farinha de trigo sarraceno (Fagopyrum esculentum), também conhecido como trigo mourisco. O trigo sarraceno nada tem a ver com o vulgar trigo. Os seus grãos são sementes de um fruto que é aparentado com o ruibarbo. A farinha de trigo sarraceno é isenta de glúten, logo, é apta para  celíacos. É também usada para fazer a massa soba, o esparguete japonês.

Como adoçante, para além do xarope de ácer e do açúcar de côco, excessivamente caros e muito pouco locais, costumo usar o mel de eucalipto, aquele que, entre os méis, tem um sabor menos pronunciado e que, por essa razão, pode ser mais facilmente incorporado em preparações culinárias sem lhes alterar substancialmente o sabor.  Neste bolo usei o mel de eucalipto produzido pelo Amadeu. No processo de produção dos méis da Casa do Couto não se ultrapassam os 45º a 50º garantindo-se, desse modo, que as qualidades do produto são preservadas. Como explica o Amadeu, quando se ultrapassa uma determinada temperatura, deixamos de ter mel e passamos a ter açúcar.

O toping é um shot de polifenóis. As framboesas e os mirtilos, à semelhança dos restantes frutos silvestres, são uma fonte privilegiada de polifenóis com potencial anticancerígeno: ácido elágico, antocianidinas e proantocianidinas. O chocolate preto com 70% de pasta de cacau tem importantes quantidades de polifenóis, as proantocianidinas, conhecidas pelas suas poderosas características antioxidantes, suscetíveis de provocar efeitos benéficos nas doenças crónicas como o cancro e naquelas que afetam o sistema cardiovascular*.





Ingredientes

Para o bolo
100 ml de leite de amêndoa
90 ml de óleo de côco 
90 ml de mel de eucalipto
sementes de vagem de baunilha
5 bananas médias
1 colher de chá de fermento em pó
1 colher de chá de bicarbonato de soda
1/2 colher de chá de flor de sal
280 grs de farinha de trigo sarraceno
100 grs de nozes
100 grs de chocolate preto (mínimo de 70% de cacau)
Para a cobertura
100 grs de nozes
4 colheres de sopa de mel de eucalipto
125 grs de framboesas
125 grs de mirtilos


Preparação
Aquecer o forno a 175º
Untar uma forma redonda, forrar a base com papel vegetal e voltar a untar.
Na Bimby (ou noutro processador) colocar o mel, o leite, o óleo de côco, a baunilha e as bananas e bater até a mistura ficar homogénea.
Numa taça misturar os ingredientes secos: a farinha, o fermento em pó, o bicarbonato de soda e a flor de sal.
Juntar a misture de bananas mexendo o menos possível.
Finalmente, incorporar as nozes e o chocolate partidos em pedaços.
Deitar na forma e levar ao forno até que espetando um palito a massa se apresente seca (cerca de 40 minutos). Não convém, contudo, que a massa fique demasiado seca.
Deixar arrefecer por completo.
Entretanto, tostar as nozes para a cobertura numa frigideira (ou no forno). Quando ficarem douradas, juntar o mel envolvendo bem e levar novamente ao lume ou ao forno para caramelizar.
Deitar por cima do bolo e deixar arrefecer por completo.
Finalmente, enfeitar o bolo com os mirtilos e as framboesas.




quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

AS TRÊS GUNAS

Uma das primeiras coisas que os devotos do Templo da ISKCON em Lisboa me ensinaram sobre comida foi a classificação dos alimentos nos três modos da natureza material.
O verso Se alguém Me oferecer, com amor e devoção, folhas, flores, frutas ou água, Eu as aceitarei, do Bhagavad-gita, funciona como a fonte primacial de um código culinário que, integrando prescrições e interdições, rege as práticas alimentares dos devotos.
O entendimento desse código culinário traduz-se, desde logo, pela classificação dos ingredientes nos três modos da natureza material, ou seja, o modo da bondade, o modo da paixão e o modo da ignorância, sendo apenas os primeiros, isto é, os ingredientes classificados no modo da bondade, considerados elegíveis pelos devotos.
O Bhagavad-gita define os ingredientes no modo da bondade como aqueles "(...) que aumentam a duração da vida, purificam a existência e dão força, saúde, felicidade e satisfação. Semelhantes alimentos são suculentos, gordurosos, saudáveis e agradáveis para o coração". Quanto aos ingredientes no modo da paixão são definidos como aqueles que "(...) são muito amargos, muito acres, salgados, quentes, picantes, secos e ardentes (...) e causam sofrimento, miséria e doença". Finalmente, os ingredientes classificados no modo da ignorância são aqueles que foram "(...) preparados mais do que três horas antes de serem ingeridos, alimentos insípidos, decompostos, putrefactos e alimentos que consistem em refugos e substâncias intocáveis (...)".
Para os devotos existe um pacote de ingredientes considerados interditos e que os mesmos classificam quer no modo da ignorância, quer no modo da paixão. Esse pacote inclui a carne, o peixe, os ovos, o alho, a cebola, os cogumelos, o álcool, o vinagre, o café, o chá preto e o chocolate.





Esta classificação tripartida da comida, bebe a sua inspiração no 
Ayurveda, a Ciência da Vida, que identifica três gunas ou qualidades da substância cósmica, prakrti, sendo o equilíbrio entre estas três qualidades essencial para a harmonia mental e física do indivíduo.
As três qualidades são chamadas de sattva (corresponde à verdade, à virtude e ao equilíbrio), rajas (corrsponde à força e à impetuosidade) e tamas (corresponde à ausência de movimento). 
Estas três gunas referem-se, também, a ingredientes, modos de preparação da comida e quantidades ingeridas.
O álcool, a carne, as cebolas, comidas com cheiros muito intensos, comidas esturricadas ou mal preparadas e excessivamente condimentadas são normalmente referidas como comidas tamásicas. Tal como a gula é também considerada tamásica. Inclui todos os ingredientes que levariam o indivíduo a um estado de indolência.
Comida rajásica é aquela que é bem preparada, moderadamente condimentada e inclui ingredientes delicados, sem qualidades ayurvédicas antagónicas e consumida de forma moderada.
A comida satávica inclui todos os ingredientes que não são excitantes e tem um efeito moderado nos humores. É de fácil digestão e não torna o indivíduo preguiçoso. Frutas, arroz, leite, mel, ghee, vegetais como cenouras, courgetes e abóboras incluem-se nesta categoria.  Desta forma de comida excluem-se a carne, as especiarias, o gengibre, o alho, os vegetais que agravam os humores como a couve flor, as cebolas e as beringelas. 
Se um indivíduo procurar uma alimentação saudável e equilibrada, deverá incluir alimentos classificados nas três gunas. Contudo, se buscar uma vida ascética, deverá privilegiar apenas os ingredientes classificados como satávicos*.


*Sobre esta classificação tripartida da comida pode consultar-se o livro Ayurveda: a way of life, de Vinod Verma.

domingo, 2 de dezembro de 2012

A OUTRA GUERRA


No Museu dos Barcos na Praia de Mira guardam-se as memórias de alguns dos homens que andaram na pesca do bacalhau. Mestre Aperino Gil e mestre João Facão, recordam os tempos passados nos barcos que percorriam os mares da Terra Nova e da Gronelândia. Ir para a pesca do bacalhau era ir para a outra guerra, uma guerra travada no mar em condições adversas:

Fui com 19 anos e nunca tinha andado ao mar. Fui para fugir à tropa. Até estava mobilizado para Angola e quem ia para o bacalhau não ia para a tropa. Mas tinha de lá andar seis anos. O meu avô foi arrais da costa quase 50 anos, mas eu nunca tinha andado ao mar, porque o meu pai era construtor e eu trabalhava com ele. Eu não sabia para onde ia, mas sabia que não ia para uma coisa boa. Porque mobilizado para Angola e deixarem-me ir para o bacalhau, era porque não era uma coisa boa! Mas a gente vai-se habituando, vamos de verde e naqueles primeiros dias e com aquelas botas de cabedal dentro de um bote…é que estes botes são muito falsos. Vazios são muito falsos. Quando têm lastro fica assente, mas sem peixe é muito alto e nós lá dentro, ainda com a ondulação do mar, até a gente se habituar àquilo é um problema. Enjoar é só à saída de Lisboa. Havia muitos pescadores que sofriam mais do que eu. Os pescadores que andavam a apanhar o bacalhau é que tinham de preparar o bacalhau até ao fim! Até à salga. A escalar o bacalhau até às 2h da manhã e às 4h já estávamos a pé. A gente não chegava a descansar. Sempre com sol, porque no pólo norte, na altura em que a gente ia, era sempre dia. Eram sempre temperaturas negativas.(Mestre Aperino Gil, 1-12-2012)

Durante seis meses, pescava-se bacalhau e comia-se bacalhau cinco vezes por semana. Não era apenas a monotonia da alimentação que marcava as refeições tomadas no navio e nos dóris:

Os bifes de bacalhau que eles nos davam… seis meses, bacalhau cozido de água e sal. E as batatas, agarravam um saco de batatas, cortavam o fio, não eram lavadas nem nada, bota para dentro da panela, a água ficava logo vermelha! O bacalhau que fritavam hoje só o davam aí por dois ou três dias. Nunca o davam fresco. Para não terem trabalho! Eu em vez de levar uma, duas ou três postas no foquim para comer lá fora, não levava nenhum porque já estava cheia de bolor! O pão que coziam hoje só o davam por três ou quatro dias. Rijo! Que era para a gente em vez de levar três ou quatro pãezinhos, levar só um. O comer que eu comia a bordo de dóri, era um punhado de azeitonas e um termo de café. E levava um pãozito rijo para comer com as azeitonas. (Mestre Aperino Gil)

Comíamos bacalhau desde que saíamos de Lisboa até chegar. A gente chegava à mesa…ai, isto está aqui outra vez! Só davam carne à quinta feira e ao domingo. Era uma carne salgada que vinha da Argentina em barricas. Ficava de molho à quarta feira ou ao sábado e à quinta feira ou ao domingo íamos comê-la. Só aí é que provava à carne. Só aí é que sabíamos que era quinta feira ou domingo. Nos outros dias era só bacalhau. Bacalhau cozido, bacalhau assado, bacalhau frito. (No dóri a gente comia um bocado de pão, por vezes duro, uma posta de bacalhau frito e um termo de café e andava-se ali 12 horas, por vezes 13 ou 14.Mestre João Facão)

A bordo dos navios, a comida servia também como elemento diferenciador entre os oficiais e os pescadores. Por vezes, os homens arriscavam e roubavam géneros que escondiam debaixo dos colchões, como fazia João Facão. E assim conseguiam, nas camaratas, cozinhar caldeiradas e tornar o tempo de mar mais curto. Um tempo marcado em terra pelo choro e pelo luto das mulheres:

Os oficiais comiam uma boa salada de tomate, a boa salada de alface, tudo o que era do bom e do melhor. Todo o pessoal que trabalhava a bordo, que era o pescador que ganhava para eles, porque eles ganhavam consoante aquilo que a gente apanhasse. A alimentação deles era tudo do melhor que havia. O tempo que andavam no bacalhau, comiam melhor do que em casa. Eram leitões, era carne de vaca da melhor, era o melhor que havia. Levavam de Lisboa e carregavam nos portos. E nós a vermos da mesma cozinha a ver sair o comer para a ré, para os oficiais e a nós era sempre a mesma cozido com batatas que não eram lavadas e as vitaminas era um comprimido chamado Polivita, do tamanho da moeda de um euro, vermelho e isso era a salada que nos davam era isso. Para eles era boa alface, bom tomate e o desgraçado do pescador….Mas se disséssemos assim “Sr. Capitão, a comida não está em condições” éramos logo ameaçados, recebíamos logo ordem de prisão.(Mestre Aperino Gil)



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Sou uma antropóloga que só pensa em comida...
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