quinta-feira, 17 de novembro de 2011

SABÃO DAS DORES PARA CURAR A PELE

Malvas, maravilhas, milfolhos e folhas de nogueira. Passaram-se muitos anos desde que Maria das Dores de Vilar de Perdizes fez as primeiras experiências caseiras de produção de sabão. Talvez mais de quarenta anos. Na altura, com pouco mais de vinte anos, Maria das Dores, aprendeu com outras mulheres da aldeia a fazer sabão para lavar a roupa. Juntavam-se as gorduras que sobravam da cozinha, como o azeite queimado e, quando se tinha a quantidade necessária, adicionavam-se à água e à soda cáustica, detergentes, como o OMO, ou champôs. Quando se pretendia que o sabão tivesse cor, ia-se a Espanha comprar corantes.
Os anos passaram e este saber fazer parecia ter ficado esquecido. Contudo, há cerca de quinze anos, com a participação num curso de formação profissional promovido pelo Centro de Emprego, organizado pelo Padre Fontes e direcionado para chás medicinais, Maria das Dores resgatou essa memória de fazer sabão de lavar roupa. Houve, no entanto, a preocupação de não adicionar gorduras usadas:
“Eu não tinha noção das quantidades. Nós fizemos o sabão porque uma das formandas sabia fazer sabão para lavar a roupa. Mas não aproveitávamos nada de gorduras disto, daquilo. Nós fizemos só com banha de porco natural. Depois pusemos champô, aqueles detergentes mais cheirosos e a gente lavava e aquilo lavava mesmo bem”
Mas à medida que a formação decorria foi deixando de fazer sentido utilizar detergentes e champôs na preparação do sabão. As ervas medicinais viriam a substitui-los. Estava encontrado o princípio do sabão medicinal que Maria das Dores viria a produzir mais tarde: soda cáustica, água, banha de porco e uma combinação de quatro ervas medicinais.
“Foi um curso de um ano. Primeiro identificá-las, semear, crescer, apanhar, transplantar, regar. Fizemos a experiência e pensámos: e se nós, nesse sabão, em vez de pormos o champô ou o detergente, pusermos as ervas? Então fizemos ali uma mistura de ervas.”
A banha de porco é obtida na altura das matanças. Dos seus porcos, consegue parte da quantidade necessária. A outra é-lhe dada pelas pessoas amigas que lhe cedem a gordura. Não usa outro tipo de gordura animal: “Não pode ser de borrego nem de vitela”.
Crê que é a banha de porco que dá ao sabão uma textura característica: “Fica tipo cremoso, é mais macio, faz pouca espuma”.
Até ter feito a formação em chás medicinais, Maria das Dores não conhecia as propriedades das ervas que colhia no campo para alimentar a fazenda.
“Depois quando fui fazer a formação dos chás, nem imaginava que estas ervas que eu botava às vacas eram dos chás. O mais importante é diferenciar o verdadeiro do falso. Com a formação que tivemos, sabemos identificar a altura de se apanhar e a verdadeira da falsa. O mais importante é saber identificar a verdadeira e saber aproveitar na altura certa e saber secar na altura certa. Temos que ter certezas do que estamos a fazer. Ir ao monte apanhar um braçado não custa muito. O pior é chegar a casa e saber selecionar. Tirar o que não presta, saber pôr no lugar certo para não se estragar. Secar. Se faz um molhe, ficam muitas por fora, mas ficam estragadas por dentro. Algumas ervas tem que se ir ao monte. Na aldeia, poucas há. Há algumas nos quintais. Eu antigamente tinha e agora dão-me. Não gastam e depois dão-me a mim. Não tenho quintal. Às vezes vou ao Larouco. A gente de uns anos para os outros já sabe onde estão e vamos lá. Não há grande dificuldade em se ir procurar”
Foi também essa formação que lhe permitiu contactar de mais perto com aquela que se considera a fundadora da genealogia das mulheres da aldeia que hoje fazem chás, licores e sabonetes com as ervas medicinais:
“A tia Aninha Pitinha era uma velhota que tinha saberes populares dela, dos chás. Antigamente ela já apanhava e vendia aos molhinhos, mas não empacotava. Naquela altura da formação ela já tinha 70 e tal anos. Ela nem sabia ler. Ela também nos foi dar formação, dizer o que sabia de boca e nós escrevíamos. Depois ficou tudo escrito num livro”.
Das ervas disponíveis no território, Maria das Dores utiliza aquelas que a experiência e a formação realizada lhe relevaram serem as mais adequadas para o tratamento de problemas dermatológicos.
“Para fazer o sabão uso quatro ervas: malvas, folha da nogueira, os milfolhos e as maravilhas. Experimentámos: se as folhas da nogueira são boas para as infeções, as malvas são boas para fazer lavagens, os de milfolho para as varizes…fizemos ali uma seleção. Aproveitámos as ervas que são contra alergias, feridas. A folha de nogueira apanhamos já ali. As malvas vamos a uma horta qualquer. No monte só os milfolhos. Mas às vezes até há nesses lumedeiros, cantinhos”
Maria das Dores produz apenas um tipo de sabão. Umas vezes fica mais escuro; outras mais claro: “Tem duas cores. Tenho de explicar. A planta que mais escuro faz o sabão é a folha da nogueira e basta estar mais atempada a folha, nem que seja a mesma quantidade. Se for a folha da nogueira mais atempada, mais dura, mais rija, fica mais escura. É só essa a diferença, mais nada”



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