quarta-feira, 2 de novembro de 2011

TEMPESTADE NA SERRA

A vezeira escangalha-se oficialmente no dia 29 de setembro. Mas se o tempo estiver bom, como esteve este outubro, os animais vão ficando na serra, alimentando-se das ervas que por lá existem. A partir desse dia deixa de ser obrigatório ir ver dos animais todos os dias. Passam os homens, dois a dois, a ir aos baldios uma vez por semana.
Estava combinado com o Alcides irmos na quinta acompanhar a descida do gado. Contudo, como a tempestade apertava e havia o receio que o gado se assustasse e pudesse perder-se e magoar-se, antecipou-se para hoje a descida. Um imprevisto de última hora que me obrigou a ir comprar uma capa de oleado e a ir para a serra sem estar minimamente preparada.
Demorámos, como habitualmente, uma hora a chegar à aldeia de Fafião. Já lá estava o Alcides à nossa espera. Chegaram, entretanto, os outros dois herdeiros, o sr. Augusto e o sr. Domingos, e lá fomos na carrinha do Ecomuseu até onde é possível levar as viaturas. O Alcides e eu fomos na caixa aberta e apanhámos logo uma chuvada. Não fosse a capa de oleado e eu teria ficado ensopada.
Depois, foi começar a subir pelo monte. Foi duro, muito duro. Ainda para mais porque tinha enjoado na viagem de Montalegre para Fafião (ir no banco traseiro a mandar sms e a anotar números de telefone tinha de dar asneira) e tinha outras dores a atrasar-me o passo. Disse-lhes para avançarem porque com as mariolas a marcarem o caminho seria difícil eu perder-me. Mas o nevoeiro estava cerrado, havia alturas em que não se via nada a mais de 10 metros e um dos colegas do Ecomuseu acabou por se perder de nós. Valeram os telemóveis e os gritos de todos. 
Lá continuámos caminho e as minhas galochas acabaram por romper, de modo que quando passávamos nos riachos, a água entrava às golfadas e fiquei com meias e calças encharcadas.
Depois, encontrámos parte dos animais. Faltavam cinco vacas e foi preciso ir em busca delas. O Alcides disse para esperarmos numa das malhadas enquanto os três herdeiros iam procurar o resto dos animais.
Ficai ao pé desta árvore ou da outra, mas não vos afastais mais. Isto significava que estava fora de questão irmos para a cabana do pastor pois esta estava ainda distante e quando eles passassem para baixo com os animais não tinham forma de nos avisar.
Foi o mais difícil. Mais de uma hora à espera. Chuva forte, o corpo a gelar e a doer, nevoeiro cerrado, a tarde a chegar ao fim e a trovoada a rebentar. E os telemóveis a ficarem sem bateria.  



Finalmente lá chegaram. Os animais que vinham com eles estranharam-nos, tal como nos tinham estranhado os restantes que já tínhamos encontrado na subida. Mas não há nada como falar com eles e acabam por sossegar.  
Desde o reencontro, demorámos mais duas horas até chegar à aldeia. Descemos e subimos várias vezes. O que deu tempo para muita conversa com um dos herdeiros, o sr. Domingos.
O sr. Domingos é o chamado elemento do acordo, isto é, o escolhido pelos restantes herdeiros para, entre outras coisas, convocar as reuniões e estabelecer e cobrar multas àqueles que não cumprem as regras da vezeira. Contou-me muitas histórias e quando passámos o rio lembrou-se de um inverno em que teve de botar o baraço aos cornos de uma vaca que já se afogava.

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