A incursão foi pensada, ontem, num impulso para matar saudades da prática etnográfica que me ocupou dez meses no Barroso. Já tinha tido, há tempos, a indicação que havia ainda um cesteiro. Arrastei a Guida e fomos em direção a Ançã. Um breve passeio a pé no centro da vila bastou para incluir a localidade na minha lista de lugares ideais para viver.
Não foi difícil encontrar a casa do cesteiro. Vítor Pratas aprendeu o ofício em miúdo quando servia numa quinta. Todas as semanas passavam por lá cesteiros e, através de observações repetidas, acabou por ir dominando a técnica. Na oficina, situada no rés-do-chão da sua casa, expõe os diferentes modelos de cestos que costuma fabricar.
Um dos instrumentos que utiliza no ofício é a rachadeira, uma espécie de ponteiro de madeira que é segmentado numa das pontas e que permite abrir o vime longitudinalmente. Tem três modelos: de duas, três e quatro pontas.
Mas na oficina do Sr. Vítor Pratas não existem apenas cestos. Há peças de madeira, candeeiros feitos de cabaças e algumas imagens de barro. Tudo feito por ele. Algumas são para venda, outras são apenas para exposição nas feiras em que vai participando. Estas últimas ilustram ofícios e práticas da região, como a produção de vinho ou o fabrico do bolo de Ançã. O que deu o mote para irmos em busca do dito. Tínhamos a indicação dada por uma vizinha do Sr. Vítor Pratas que os lugares de venda estão assinalados, na rua, por um cesto coberto por um pano azul e colocado em cima de um banco à entrada da casa onde se fabrica o bolo de Ançã.
Os cestos cobertos de panos azuis abundam nas ruas da vila e decidimos seguir a sugestão de três mulheres com quem nos cruzámos. E fomos ter à casa da D. Dorinda, perto do pelourinho. Há 30 anos, D. Dorinda ia para a Figueira vender os bolos junto ao Mercado Municipal. Durante o verão corria a praia da cidade para ganhar o sustento.
Antigamente, os bolos eram obrigatórios nos casamentos. Faziam parte das ofertas dos noivos a todos os convidados. A oferta incluía os bolos de Ançã, arroz doce, uma caçoila de arroz pardo (arroz de cabidela) com galinha e os cornos. Os cornos são bolos com uma massa semelhante à dos bolos de Ançã, mas que têm a diferença de levar canela, com uma forma alongada. São também conhecidos por cornudos e constituem, ainda hoje, juntamente com os bolos de Ançã, a prenda oferecida pelos noivos aos convidados.
O nome dos bolos permite a pergunta habitual dos clientes - "Dorinda, tens cornos?" - que é sempre recebida com um sorriso honesto e com outra pergunta: "Queres mais mal ou mais bem?". Basta seguir os gestos na escolha dos bolos para perceber o significado da frase. "Mais mal" refere-se aos bolos mais mal cozidos e "mais bem" aos bolos mais bem cozidos. Vieram os "mais mal" que nunca gostei muito de côdeas escuras.
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