quarta-feira, 18 de junho de 2014

O GANGUE DAS PANELAS


Ao longo destes meses do curso, as equipas foram-se formando naturalmente como resultado da empatia surgida entre as pessoas. Escolhemos os que aguentam a pressão, que são despachados, que lêem as receitas antes de as executar (porque nem todos perdem tempo a lê-las!), que perguntam aos colegas, antes de iniciar o trabalho, que tarefas pretendem assumir e que nunca se recusam a fazer trabalhos menores como lavar a loiça. Escolhemos, como colegas de equipa, aqueles que conseguem comunicar as suas ideias, que são tolerantes, que não expõem os outros quando há um erro cometido. Quando alguém faz asneira, espera-se que a pessoa assuma, mas não se espera que um colega o denuncie. Quem o faz, perde o nosso respeito. 
Esta experiência tem, também, sido um espaço de auto aprendizagem. Todos já tiveram outras vidas profissionais (a maioria está ali na faixa dos 30). Uns não conseguiram singrar (a crise veio complicar ainda mais o cenário), outros decidiram abandonar as carreiras que tinham e experimentar outras vias. Há quem sempre tenha sonhado em fazer disto profissão e há quem olhe para o trabalho com a comida de forma absolutamente funcional: uma profissão como outra qualquer onde as oportunidades de emprego parecem mais vastas.  Ao fim de quase quatro meses de curso, enquanto uns reforçaram a relação com o universo da cozinha e aferiram caminhos específicos para trilhar, outros concluíram que trabalhar com comida não se enquadra no futuro que idealizaram. 
(Re)descobrimos, na relação com os outros elementos da equipa, as nossas idiossincrasias. As mais detestáveis e aquelas das quais nos orgulhamos. Eu, que nas outras vidas já tive equipas a meu cargo, sei que sou pouco paciente quando, em momentos em que é preciso dar o litro, uns descansam o trabalho nos outros ou se perdem em gestos e tarefas inúteis. E continuo, infelizmente, a ter a diplomacia de um Velociraptor com fome :)
Somos, no seu conjunto, um grupo com piada que ri até às lágrimas com as partidas que pregamos uns aos outros. Somos cúmplices e preocupamo-nos quando um dos nossos não está bem. Partilhamos expectativas sobre o período de estágio que está a chegar - que tarefas vamos desempenhar, que responsabilidades nos vão dar e que erros não podemos cometer. 
Questionamos frequentemente os nossos chefs acerca do ambiente de estágio, dos chefs com quem podemos vir a aprender mais, da postura que devemos ter. Pedimos conselhos e sempre nos dão valiosas sugestões. Comparativamente a outros alunos da Associação (aqueles que frequentam os cursos para obtenção de equivalência ao 9º ou 12º ano), encontramo-nos numa situação paradoxal: não temos as idades nem a falta de experiência profissional que, habitualmente, estão associadas a contextos de estágios não remunerados. 
Há tempos, na caixa de comentários de um post no Mesa Marcada, referiu-se a questão, raras vezes abordada nos blogues de comida, relativa à forma como as pessoas que trabalham nos restaurantes - seja na cozinha, seja na sala - são tratadas.
No curso, já ouvimos muitas histórias - mais ou menos horripilantes - acerca dos bastidores dos restaurantes. Chefs que destratam a equipa, que atiram panelas de água a ferver para cima dos cozinheiros, agressões com facas, gritos e insultos. Nada que já não tenhamos visto em filmes ou séries ou lido em livros. Ou assistido em concursos na TV.  Ao contrário daquilo que se passa nas diferentes edições do Masterchef Austrália - jurados sempre tiveram uma postura muito didáctica e de reforço positivo, criticando sem humilhar - o que se passou no Masterchef Portugal foi lamentável. De alguma forma, legitimou-se o achincalhamento daqueles que na hierarquia de cozinha ocupam uma posição inferior. Péssimo exemplo em tempos de crise. 
Também nos contam histórias sobre as rasteiras que se passam nas cozinhas. Frascos de sal despejados nas panelas para prejudicar os colegas, pimenta deitada às escondidas para eliminar a concorrência. A história mais macabra que nos contaram foi a de um cozinheiro que tentou assassinar uma colega envenenando-a (!). Por acaso, aconteceu num restaurante que, há alguns anos, eu frequentava com alguma assiduidade.
Preparamo-nos para uma nova etapa. Alguns com a tranquilidade que a idade trouxe, outros com uma ansiedade danada. Andamos a contar os dias para entrar numa cozinha a sério :)

4 comentários:

  1. Já? E depois do estágio, é tudo?
    Espero que não passes nenhum desses apuros numa "hell-ish kitchen", embora tenha certeza de que não te submeterias a a algo assim. E os vegetarianos tendem a ser mais pacíficos (generalização pouca é bobagem) :))))
    Beijinhos!

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  2. Olá :)
    "Já?" Referes-te ao fim do curso? São cinco meses, mais um mês e poucos dias e termina. Mas já andamos todos com saudades uns dos outros :)
    "Tudo?" Pronto, esta parte confesso que não percebi :)))
    Eu ando a fazer por poder realizar um estágio em part time, ainda antes do curso terminar, num restaurante vegetariano. E outro estágio, esse a partir de setembro, num hotel cujo restaurante tem uma carta amiga dos vegetarianos, dos vegans, dos celíacos e das pessoas que não toleram leite. Agosto é para pegar na enxada e limpar o quintal da Figueira e recuperar mais não sei quantos móveis que há por lá :)
    Bem, eu sou muito paciente. Aguento muito, muito, muito. Depois há coisas que só tolero uma vez. De qualquer forma, na Associação têm o cuidado de nos enviar para cozinhas com chefs educados. Não dão garantias, contudo, da sanidade mental da restante equipa. Posso sempre cruzar-me com um psicopata que me enfernize a vida.
    Beijinhos!

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  3. Olá de novo :) Agora que percebi o - "é tudo?" São anglicismos - neste caso, "is that all?" - que às vezes escapam quando estou com os miolos meio fritos, como é o caso agora :) E isso porque trabalho com traduções. É o que resulta de viver intensamente entre dois idiomas e dormir mal.
    Gosto de quando há tantos planos assim, é bom, faz bem à alma. Vamos acompanhando por aqui :)
    Boa sorte com o estágio, tenho certeza de que vai correr bem!
    Beijinhos,

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    1. Olá :)
      Bom, eu sou pessoa de não planos. Coisas que me ficaram dos tempos em que os planos nunca se concretizavam. Por vezes até me custa fazer planos para a semana seguinte. Vamos ver se consigo ir para os sítios que me interessam!
      Obrigada,
      Beijinhos!

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Sou uma antropóloga que só pensa em comida...
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