terça-feira, 17 de janeiro de 2012

AS MULHERES QUE CRUZAVAM A CABREIRA


O largo em frente à Pensão não era o único local onde se fazia a venda ambulante nas Minas da Borralha. Junto aos outros edifícios da empresa ou das casas particulares, andavam as mulheres a fazer a venda. Chegavam, também, a ir vender às aldeias em redor das Minas, como recorda América:
Ui! Andavam pelas portas! Andavam aqui pela porta e, se houvesse, a gente comprava. Era mais perto do que ir à Cantina. Uns dias vinham umas, outros dias vinham outras. Elas faziam a venda e iam embora. Vinham de Fafe vender café. Do Sical. Mas não vendem como agora. Agora é uns pacotinhos mais quadradinhos e dantes era assim mais pequeninos. Traziam arroz, açúcar, traziam tudo e frutas.

Os habitantes da Borralha lembram, ainda, alguns dos nomes dessas mulheres: a Varizes, a Odete, a Gracinda, a Júlia. Mas não eram apenas as mulheres que faziam a venda. Clemente, um antigo marteleiro nascido em Caniçó, recorda um dos homens que também fazia venda ambulante: E o outro da burra que vinha aí trazia fruta, trazia figos, trazia bagaço, o Flato, de Roças.

Manuel Baqueiro, que guardava 250 vacas na Serra da Cabreira antes de ser capataz no tempo da florestação da Serra e de trabalhar nas Minas, cruzava-se com essas mulheres que caminhavam em direção à Borralha.
Baqueiro nasceu em 1929 na aldeia de Roças em Vieira do Minho. A primeira vez que foi a Salto tinha 15 anos e recorda-se dos telhados de colmo das casas da vila. Quatro anos depois, com 19, começou a guardar o gado na Serra. Todos os anos, durante nove anos, de 29 de maio a 29 de setembro ficava na Serra com o cão, o cavalo, a pistola e a espingarda. E encontrou-se com dezenas de mulheres nos três caminhos - de Agra, de Vila Boa e dos Anjos - que cruzavam a Cabreira. Caminhos hoje escondidos pelas muitas estradas que entretanto se rasgaram. Comprava-lhes fruta e roubava-lhes beijos e carícias.
Não havia estradas. Isto era caminhos velhos. Vinham com cestinhos à cabeça. Cerejas, cerejinhas, pêssegos, maçãs. Ai minha linda, que cerejinhas boas tu trazes! Coitadinhas, tinham de governar a vida delas. E o homem escolhia aquilo que queria. Se elas fossem jeitosas, um homem piscava. Mais lindas que as cerejas. Eu não sabia se havia de comer as cerejas, se havia…não digo mais nada! Havia-as aí tão lindas! Eu não ia atrás delas, elas paravam à minha beira, comprava-lhes a fruta, pedia-lhes um beijinho, às vezes davam. Olha, se fosse peiteroso com elas todas, não fazia outra coisa. Agora com estas orelhas a cair para baixo! No meu tempo vivi bem. Coitadinhas, até parece mal um homem fugir de uma mulher. Era feio! Eu regalei-me com tantas mulheres boas, cerejas, fruta que um homem estava mortinho por comer! Os homens ficavam a fumar lá em casa e elas vinham sozinhas para arranjar moina para o outro dia. Só ficavam por aí nas aldeias alguma que tivesse cama de Graça. As velhotas dormiam por lá. Tinha dias salteados, uma vinha à segunda, outra vinha à quarta. Era toda a semana. Não aguentavam ir todos os dias que era muito longe.

3 comentários:

  1. Tenho boas recordaç
    ões da Borralha.
    Conheci as minas já depois de serem concessionadas aos franceses,já lá estava o Sevegrand,sim,o tal que gostou tanto do Barroso que por lá se ficou.
    Ainda por aí volto,de quando em vez,arecordar amigos.
    Cordial abraço,
    mário

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  2. O Savegrand para quem eu já cozinhei lasanha de espinafres e mozzarella :)
    Não há só filões de volfrâmio nas Minas da Borralha.Há filões de memórias que urge descobrir.

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    1. Olá Daniela,

      De facto há muito trabalho a fazer pelas memórias das minas. Não sei se está a par da pesquisa de terreno que venho desenvolvendo desde 2009 junto dos antigos operários das minas...

      Ficámos de falar aquando da sua ida para Montalegre, mas infelizmente nunca mais me contactou.

      De qualquer forma, estou quase sempre por Salto ou por Caniçó.

      Cumprimentos,

      Pedro Araújo

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Sou uma antropóloga que só pensa em comida...
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