Diz-me a D. Benta que as noites de inverno são longas por aqui. Demasiado longas. Fia-se a lã porque os dedos não transpiram, como acontece no verão. Se transpirarem, não se consegue fiar. Torcem-se os fios e fazem-se os meiotes de lã quente. No verão apenas se tosquia e se lava a lã. Somente com água.
No mês de junho que é a água mais quentinha, está o tanque tapado, tem muito sol, usamos cestos destes grandes de plástico, para lavar. Para amolecer. Mete-se naquela água e o sol aquece a água e a gente mete a lã, depois a gente esfrega e sai a água negrinha. Não uso detergente, só água. A água aquece, a gente mete a lã, depois pega-se num cesto, bota-se na água e puxa-se para fora, mete-se na água e puxa-se para fora. E sai o ludro. Lava-se lavadinha e sai o ludro. Ao sair aquele esterco todo, a gente tira para fora, põe de volta do tanque, põe-se numa varanda ou numa pedra, a pedra em baixo é quente e ela torra ali. Quando ela começa a ficar quase seca, a gente abre a lã ao sol, mete a gente num saquinho plástico e ata o saco e durante o inverno a gente esguedelha-a. Não precisa de detergentes, nem lixívia, nem nada, só água limpa, mais nada. As barrelas antigamente eram para o linho, era com as cinzas. Não tem nada a ver com a lã. O calor amolece a lã, a água morna, o ludro sai todo. O calor tira a gordura da lã. Depois a gente não pode lavar como a roupa. A lã a gente mete-a na água, puxa-se o cesto para fora, o ludro sai. E depois tira-se a lã fora, leva-se para um sítio limpinho para a gente a deixar secar e depois abre-se. Se a gente lavar e apertar, apisoa-se e não se consegue esguedelhar. Tem de lavar, abrir, para ficar soltinha e mete-se num saco grande e depois no inverno a gente já tem tempo para esguedelhar.
(Pólo de Salto. Novelos e cardas)
E é no inverno que D. Benta fazia e continua a fazer os meiotes de lã. No inverno era fiar, fazer meia, à noite, durante o dia. Ou na máquina a consertar roupas para os irmãos, roupas de cotim, éramos muitos e a fazer os cobertores para pormos nas camas. De lã.
Mas o inverno também era tempo para fazer os selos de manteiga. Aqui chamam-lhes selos. Mas nas fichas do Museu de Arte Popular, os objetos para marcar manteiga e pão aparecem com a designação de pintadeiras, chavões e marcadores. Muitos eram do Alentejo, mas, se a memória não me falha, havia também alguns provenientes de Cabeceiras de Basto.
Foi-me ontem dito, que cada casa tinha os seus selos que usava para marcar a manteiga da sua produção. Mas eram apenas as casas mais abastadas que produziam manteiga.
Parte dessa manteiga era oferecida a vizinhos e amigos. Quando o pedaço ia para a mesa, através da marca, era possível identificar a proveniência da manteiga.
Eram trabalhos de madeira feitos aos serões de inverno. Trabalhos de homens em redor do lume.
(Pólo de Salto. Selos de manteiga)
Era também aos serões que se tecia a lá brava para fazer o burel. A brava usava-se mais para fazer mantas de burel. Coisas mais grosseiras. Porque aguentavam melhor. Eram mais resistentes. As brava são ovelhas do monte, tenho umas poucas, tenho umas quatro ou cinco.Têm uma lã comprida, direita, não têm muitas ondinhas. A brava usava-se mais para capas de burel.
(Detalhe da capa que existe em casa do sr. Jaime, Solveira)
Tenho algumas peças de burel que adquiri quando fiz as minhas incursões académicas às Capuchinhas de Montemuro, por alturas do mestrado. No início dos anos 90, a associação era um caso exemplar de ocupação de jovens mulheres daquela serra. Sobreviveu e permanece bastante ativa. Localmente, ainda não detetei nenhuma iniciativa deste género. Há, contudo, uma loja na vila que vende peças de vestuário e mantas em burel. Lá irei em breve indagar se esse burel é produzido aqui (hipótese pouco provável) e se as peças são confecionadas localmente.
A capucha continua a exercer um enorme fascínio em mim. Não sei se por invocar o Capuchinho Vermelho (o meu disfarce favorito de Entrudo na infância) e um certo velamento do rosto com todo o mistério que isso acarreta...
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