terça-feira, 28 de junho de 2011

O ÚLTIMO PISOEIRO DE TABUADELA

Depois do almoço, tomei a estrada 103 que liga Montalegre a Braga. Tinha agendado a primeira entrevista com o sr. Francisco, o último pisoeiro de Tabuadela. Atravessei as ruas empedradas da Reboreda e perdi-me nos montes até chegar à aldeia.

O cão grande, um Serra da Estrela com olhar de mel, esperava-me no portão da casa. Dei-lhe uma festa e ele encostou a cabeçorra no meu regaço. Repeti a dose de mimos.

Ficou cá fora, enquanto o sr. Francisco e eu subimos ao primeiro andar para conversar e resgatar memórias. Uma conversa de quase três horas feita de risos, anedotas e algumas lembranças magoadas. No final da tarde, foi-me mostrar a capa que a mãe usou.



Hoje aprendi tantas coisas. Aprendi que os fios do novelo, quando são torcidos, não o devem ser em demasia porque isso faz com que o tecido não fique tão felpudo quando é tecido e que, depois, no processo de apisoamento, seja mais difícil cobrir os espaços vazios. Diz o sr. Francisco que se os fios forem pouco torcidos as mulheres têm menos trabalho e o pisoeiro tem a tarefa mais facilitada.
Para ficar bom, ao torcer a lã com o fuso, se torcerem muito, a lã fica mais apertada. Se torcerem pouco, a lã fica mais solta. Embora pareça que fica mal, ao chegar ao pisão, com a água quente, porque aquilo é só a poder de água quente e porrada dos malhos, cobre. Há buréis que a gente mete um dedo e tem buracos onde cabe um dedo e depois fica tudo tapadinho. Se não ficar tão torcido, no pisão cobre muito melhor e fica mais macio



Também aprendi que a lã das ovelhas que só são tosquiadas de ano a ano (e não em maio e setembro, como ainda parece ser usual naquela zona) produz um pano mais áspero e muito mais difícil de ser apisoado.
Aqui a lã das ovelhas era retirada no mês de maio e no mês de setembro. No mês de setembro até maio tinha de ficar, porque as ovelhas sem a lã não aguentavam o frio. Em Montalegre era só no mês de maio. No mês de setembro já não tiravam duas vezes. Aqui é mais quente, por isso tiravam mais vezes. Para Montalegre e mais frio. O burel de Montalegre faz uma diferença muito grande, porque o burel de Montalegre era da lã de ano. Só era tirada de ano a ano. E a lã ficava muito mais comprida e mais rija. No pisão depois notava-se. O nosso burel ficava maciozinho e o outro é mais áspero. A diferença é da lã. Porque a lã andando muito tempo na ovelha, passa o frio e calor, a lã vai ficando acastanhada, qualquer coisa a poder de tempo faz perder a cor. Por isso aquela lã fica mais acastanhada e mais rija e para apisoar é mais difícil.




E que uma capa precisa de um pano que depois de apisoado fique com 3,30 metros de comprimento. Aprendi tantas coisas. Agora só tenho de transcrever esta entrevista tão longa para começar a arrumar tanta informação na minha cabeça. Há conversas que valem por dez livros.

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