segunda-feira, 20 de junho de 2011

CAPA DE BUREL

Mais uma tarde passada em Reboreda com a D. Benta. Desta vez, o objetivo foi levá-la ao Pólo de Salto para ouvi-la falar sobre o núcleo dos textêis. Como exercício de observação sobre a relação que a comunidade mantém com o espaço museológico, foi absolutamente fascinante.
Filmámos a D. Benta a sentar-se no chão e a usar o tear de franjas com tanta naturalidade como se estivesse em sua casa. Vimo-la pegar nas mantas, nas capas e nos panos com o à vontade que tem quando levanta as tampas dos bancos do café e me mostra os novelos, as agulhas, as meias e os meiotes de lã e de algodão, as camisolas que está a começar a fazer com lã meirinha (meirina).
Já antes tínhamos estado no seu café a falar sobre capas de burel. As verdadeiras e as falsas. As falsas, como aquela que aparece na primeira imagem, são feitas de burel industrial. Não se comparam, segundo D. Benta, às verdadeiras. Não são pesadas, característica essencial para medir a qualidade da peça, nem aquecem tanto.




As verdadeiras, ou seja, aquelas cuja lã foi tosquiada, fiada e tecida pela D. Benta, apisoada no Pisão de Tabuadela e talhadas pelo último alfaiate de Reboreda, entretanto falecido, são pesadas, quentes, perfeitas para aguentar o inverno.
Na imagem seguinte, D. Benta aparece com uma dessas capas de burel. Uma das poucas que ainda tem. Foi feita há 7 anos. Desde aí, das suas mãos não saiu mais lã tecida para ser apisoada.
Experimentei-a. Ao contrário do que supunha é maleável. Envolve o corpo como se fosse uma nuvem de lã. Não sei se será esta, se uma das outras duas, que D. Benta ainda tem para venda. Mas no inverno andarei protegida com esta nuvem de lã.



Começou a usá-las em criança: Comecei a usar em pequenininha, ia com as ovelhas, levava a capa de burel e a croça por cima. A croça que é de junco embebedava-se de água e ficava muito pesada. A gente andava cansada. As pernas todas miadas, era duro, era duro mas era bonito. Na altura em que a gente ia para o monte, era tudo canalha pequena, tudo com capas pequenas. Faziam-se capas mais pequeninas.
Não serviam apenas para se proteger do frio. Com ela posta de lado, como exemplifica na última imagem, D. Benta transportava os seus irmãos mais novos. Ficava com as costas doridas, mas havia que ajudar. Ao todo, eram nove irmãos.




Ao todo, eram nove irmãos. A lã que a D. Benta utiliza nas peças incorpora outros saberes: Esta não apanha traça porque é de natureza de não apanhar. Depende de tosquiar as ovelhas. Depende de se tosquiar a lã na lua nova ou na lua velha. Na lua nova enche-se de bitcho e na lua velha não enche. 

9 comentários:

  1. É o babywearing à portuguesa, como o registou Maria Lamas nos anos 40 e o Leite de Vasconcelos descreve muito antes de forma tão bonita...

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  2. Rosa
    Exato! Quando a D. Benta mostrou como transportava os irmãos, lembrei-me precisamente do babywearing :)
    E que diferença faz usar uma capa de burel industrial (tão menos maleável) e uma capa de burel "verdadeiro" (tão mais moldável)!

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  3. Olá boa tarde!
    Ando à procura de alguém que ainda produza burel, o verdadeiro :) Dedico-me a fazer peças que envolvem tecidos/ técnicas tradicionais portuguesas e o burel parece-me uma óptima matéria-prima para trabalhar. Conheceu alguém ou alguma localidade que ainda se dedica a esta arte que possa partilhar comigo?
    Obrigada.
    Continuação de um excelente trabalho de divulgação do que temos de melhor, gentes, artes e costumes. Que nada se perca nunca, quanto muito se reinvente...

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  4. Olá Patrícia
    No concelho de Montalegre já não há ninguém a produzir burel. Os rebanhos diminuíram, as tecedeiras foram morrendo e os pisões deixaram de funcionar ou não têm panos para apisoar. Há, de facto, um pisão apto a apisoar, em Tabuadela (freguesia de Salto), mas não há pano para o pôr a trabalhar. Contudo, nas minhas viagens lá para cima, na paragem que fazia com frequência no Mezio, em Castro Daire, informaram-me, através da Associação Etnográfica do Mezio/Montemuro (têm uma loja que está sinalizada na A24; basta seguir as setas) que ainda aceitam encomendas para se fazer burel. Contudo, para que tal suceda, há que esperar que as ovelhas sejam tosquiadas, a fã fiada e tecida e depois apisoada. Presumo que só aceitem encomendas para se fazer mais uma vintena de metros de burel, já que o gastalho terá de estar cheio para poder funcionar. Mas é uma questão de contactar a Associação para saber mais detalhes.
    Depois, junto das Mulheres de Bucos, em Cabeceiras de Basto, ainda pode recolher informação sobre fiação e tecelagem do pano que depois era apisoado. Porém, já não há pisões ativos na localidade.
    Espero ter ajudado.

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  5. A Dona Benta faleceu ontem, vitima de doença prolongada.

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    1. Sim, o João Azenha foi-me mantendo ao corrente da situação. Um trágico desfecho para uma mulher cheia de força e coragem.

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    2. Infelizmente a Benta deixou-nos! :(

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  6. A benta morreu para o mundo mas mas está viva no meu coração

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    1. No seu e no meu. E, acredito, que em muitos outros corações. Pessoas especiais permanecem, mesmo depois de partirem...

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Sou uma antropóloga que só pensa em comida...
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