Na minha infância e adolescência consumia pão de todas as formas e feitios. Torradas de pão cheias de manteiga, pudim de pão, açorda, pão com tudo e mais alguma coisa a fazer de recheio. As vianinhas que devem ter-se começado a vender no início dos anos 80 na Figueira da Foz (pelo menos, só me lembro delas a partir dessa altura), o pão de trigo muito denso que a minha avó de Albergaria-a-Velha tinha sempre que a visitávamos, o pão que comia na aldeia das Donas feito pela D. Maria (que seria, anos depois, protagonista de uma das minhas experiências etnográficas) e o pão centeio que descobri quando, em 2006, vivi em Chaves para fazer o terreno para o doutoramento. Gostava de tudo.
Mas, ao longo dos anos, fui perdendo o gosto pelo pão. Além de uma intolerância alimentar cada vez mais incomodativa, as leituras sobre a manipulação das farinhas e sobre a utilização de gorduras trans para conservar o pão por mais tempo (basta ler os rótulos do pão que é vendido sob a designação de tradicional, nas cadeias de supermercados, para ficarmos assustados), levou-me a restringir cada vez mais o seu uso.
Com exceção de um pão à base de millet e de sementes de papoila que costumava comprar na Biosábio, até os pães vendidos em lojas de produtos naturais, e supostamente feitos de forma mais saudável, me faziam mal.
Aqui, em Montalegre, redescobri o pão centeio. É certo que, se abusar, a intolerância alimentar manifesta-se. Mas não se compara com o que acontece com outros pães.
Ler o livro da Mouette Barboff fez-me lembrar o modo como a academia pode ser preconceituosa em relação aos saberes técnicos, em especial aos saberes técnicos femininos. Fez-me também pensar nas estratégias de patrimonialização que, havendo vontade e apostando-se numa lógica participacionista das populações, podem constituir a via para a preservação de produtos que teimam em desaparecer.
Aqui, em Montalegre, o pão centeio é um dos elementos identitários da população. E há tantas coisas que, em termos de estratégias de patrimonialização alimentar, podem ser feitas. Mesmo recorrendo ao modelo clássico das feiras gastronómicas, é possível dar uma maior visibilidade ao pão centeio e não o subordinar a elemento secundário na Feira do Fumeiro.
Aqui, o pão merece um outro protagonismo. E não será só o pão centeio. Os cereais cultivados no concelho, o centeio, o trigo, o milho e o milho-miúdo, ilustram não apenas a diversidade climática do território, como também a riqueza de práticas culturais.
Ainda ontem a D. Benta me explicava como uma mão cheia de milho-miúdo deitada na massa das filhós lhe confere uma textura inegualável. Em Salto.
Outro dos produtos da terra que revela a diversidade do território é o mel. Há pouco, na loja da sede do Ecomuseu, comprei duas variedades. Mel cru, denso, perfeito para barrar uma fatia grossa de pão centeio.
Mas esta terra dá outras coisas. O Alexandre, que será um dos informantes deste projeto, apostou na produção de sabonetes à base de azeite e leite de cabra. Tudo em modo de produção biológico.
Este, que trouxe também da loja do Ecomuseu, tem um perfume intenso a alfazema. É delicioso. Fazem-se coisas muito boas cá por Montalegre.
Viva o bom pão só com farinha, água, fermento e um bocadinho de sal. Felizmente ainda se vai encontrando, difícil é levar as pessoas a preferirem-no aos pães de plástico sem côdeas e de longa duração...
ResponderEliminarEsse pão tem bom aspecto. E como eu adoro pão de centeio. Quando te visitar no final do verão, já sabes, fatias e mais fatias hei-de saborear!
ResponderEliminarbj
Rosa
ResponderEliminarViva o bom pão, sim! O pão a sério! Um pão destes custa 1,90 euros. Aguenta-se bem uns 5 dias. Alimenta. Por aqui, ainda se prefere este tipo de pão ao pão de plástico. Mais preocupante, a meu ver, é a venda de "pão rústico" nas grandes superfícies, cheio de conservantes, emulsionantes e gorduras trans. Tal como acontece, por exemplo, já com alguns biscoitos vendidos por esse país fora em pastelarias consideradas como referências da doçaria local e regional, e nos quais se substituiu a manteiga ou azeite pela gordura hidrogenada. Quem não ler os rótulos compra gato por lebre.
Lipa
Cá vos espero para um piquenique aqui ao pé da barragem. Com muito pão e outras coisas gostosas :) Bj