Enquanto faço uma pausa no infindável trabalho de transcrição das entrevistas - trabalho acumulado devido aos problemas no pc - sento-me nas escadas, a esta hora aquecidas pelo sol em trajeto descendente, e contemplo as cinco pequenas agulhas. A sexta está enfiada no trabalho de crochet e a substituir a agulha de metal e plástico.
As escadas aqui de casa são um bom lugar para reflexões. Serenas ou vulcânicas. Imagino, a partir das histórias que me vão contando, como seria há muito tempo. Pares de mãos de meninas, raparigas, mulheres e velhas a fazerem muitas meias de lã ou de algodão com estas agulhas. Em silêncio, sentadas em escadas aquecidas pelo sol, como estas aqui de casa, ou tagarelando umas com as outras.
Na quarta-feira fui a casa do sr. Manuel Chaves, de Gralhas, para agendar as filmagens para o dia seguinte. Na altura, mostrou-me um par de agulhas (um par tanto podem ser duas como seis) para fazer meias. Umas, já envernizadas, vieram logo comigo. No dia seguinte, ontem, e na companhia da Rosa, esperavam-nos novas surpresas em casa dele.
As agulhas feitas de propósito para nós são de urze. Urze que ele recolhe ou na Serra da Lagoa ou na Serra do Larouco: Para onde vou e que às vezes veja que me agrada, já trago.
Mas as primeiras agulhas que fez na vida não foram de madeira, mas sim de metal, feitas a partir das varetas dos guarda-chuvas, quando estava emigrado em França: As primeiras que fiz foi as de metal, que a minha senhora lhe mostrou ontem. Já fiz aqui na aldeia, para muitas raparigas, elas conhecem-se, são todas amarelinhas. De madeira só fiz agora. De madeira nunca tinha feito. As meias aqui é tudo feito com as de metal.
E como falar de agulhas é falar de meias, o sr. Manuel lembrou-se de nos mostrar aquilo que ele chama as meias das pernas, feitas para livrar a água das pernas. Estas, que foram feitas pela mãe há mais de 50 anos, vestia-as a gente aqui na perna, uma em cada perna, claro, e punha-lhes umas botas. Ou uns socos, havia uns socos, não eram botas, eram socos.Antes de virem as galochas usávamos isto. Depois vieram as galochas e já não andava tanto com isto. Atava com um cordão ou baraça que estão aqui. Este era para a gente prender aqui em cima na presilha ou no cinto e este era aqui de volta da perna. Era por fora das calças que se punham. E depois botava a gente uma croça. E depois punha a gente uma capa por cima. Eu tenho capa e croça. Era para não entrar a água aqui nos ombros. Os invernos eram muito grandes, eram medonhos. Tínhamos aqui neve uns meses diária.
E é isto que o terreno tem de bom. Cada dia, cada casa, cada pessoa tem sempre alguma coisa de novo para nós aprendermos. E tenho aprendido tanto por aqui :)
E que bom foi partilhar contigo esta descoberta. Já estou com saudades :)
ResponderEliminarCheguei aqui através das fotos da Rosa Pomar e fiquei deliciada com as agulhas, com as meias e com a história do Sr. Manuel. Tanto que se aprende pelas nossas aldeias :)
ResponderEliminarRosa: já sabes que estou à tua espera para novas incursões no terreno. Ainda não voltei ao sr. Manuel para aprender aquela técnica. Mas está para breve! ;)
ResponderEliminarObrigada, Manuela. Seja bem vinda :)
Muito bonitas as agulhas. Existem imagens dessas agulhas de metal feitas com varetas? O seu trabalho é muito interessante, e tentarei acompanhar. Enquanto arqueóloga que sou também me cruzo com as histórias e tradições das nossas aldeias ao longo do meu trabalho de campo.
ResponderEliminarOlá Rita
ResponderEliminarDas agulhas da mulher do sr. Manuel não tenho imagens. Das agulhas usadas pela D. Benta da Reboreda, sim. Quando voltar ao tema das agulhas, colocarei imagens :)