segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A VEZEIRA DE FAFIÃO

Vinte e duas vacas e cinco bezerros. Há umas semanas fui, pela primeira vez, a Fafião. Ia com o contacto do Lino, da Associação da Vezeira, mas acabei por passar a tarde à conversa também com o Alcides. Na altura, ficou combinado irmos com ele para a serra quando calhasse a sua vez na vezeira das vacas de Fafião. Foi hoje.
Partimos em direção a Fafião por volta das 4.30H da madrugada. O caminho é longo e a hora combinada com o Alcides era às 5.30H lá na aldeia. Parte do percurso foi feito nos jipes. Depois, começámos a subir a pé. Foram duas horas e meia de um percurso duro, íngreme, de frio a entranhar no corpo, quando se fazia uma paragem mais demorada, e de calor a apertar quando prolongávamos a caminhada e o sol se punha mais alto e mais quente.
Vimos corças, mais de vinte, numa escarpa em frente à malhada onde fizemos a primeira paragem para comer. Um pequeno almoço gentilmente preparado pelo Alcides.

Uma malhada é uma área onde a manada pasta durante um determinado número de dias. Há
a malhada do Salgueiro, a mais próxima da aldeia, do Pinhõ, Pousada, Bicos Altos, Prado Lã, Amarela, Iteiro d'Ovos, Videirinho e Rocalva. O gado sobe em maio e desce, sempre, a 29 de setembro.
Neste momento, a vezeira está em Rocalva. Isso significa que subimos até aos cerca de 1300 metros de altitude. Cada malhada tem uma cabana onde os pastores dormem e uma zona, o forno, onde cozinham. A de Rocalva fica num lugar magnífico rodeado de penhascos, ficou hoje com água canalizada vinda diretamente de uma das fragas e tem um carvalho imenso que dá a sombra ideal para se comer e dormir uma soneca.

É um sentimento de liberdade, lá em cima é paz e sossego e a imensidão (Lino).



Este é o primeiro ano em que os pastores já não dormem no monte. Alguns ainda o fazem quando ficam na vezeira dois dias seguidos. É que o número de dias que se vai lá acima, depende do número de cabeças de gado que se possui.
Mas com a falta de gente na aldeia, com os telemóveis (quem está lá em cima avisa depressa a aldeia se houver algum problema), decidiu-se que se vai todos os dias de madrugada e se volta ao final do dia.

Apesar das mudanças Pouca gente usa enlatados. Um comer que se utilizava muito todos os dias à noite era massa. Quando se ia lá dormir, o vezeiro que lá estava fazia sempre, sempre, sempre, massa, porque a massa é um comer que espera. Pode ser comida a qualquer hora que o vezeiro pode-se atrasar 1 hora que a massa não se estraga tão fácil depois de cozinhar. Então era sempre massa, massa com chouriço, massa com bacalhau, ou massa com carne. Porque a pessoa que sobe já não tem tempo de cozinhar, porque chega lá à noite e já vem cansado e já não tinha tempo de cozinhar e todos respeitam isto. E quem sobe leva o vinho. Antigamente dormiam lá os dois, não deixavam vir ninguém embora. O que lá estava também tinha de ficar lá, vinha no dia seguinte de manhã e então o que subia levava o vinho para os dois e o que lá estava fazia a massa para os dois. O vinho que tinha ido já tinha terminado, ou aquecia (Alcides)

Hoje, o Alcides fez massa com feijão e couve com carne na brasa para o nosso almoço. E ainda tivemos direito a café e fruta. Escusado será dizer que houve tentativas, não concretizadas, para eu comer carne :)



A Laranja, uma das vacas, está habituada a vir comer à mão e a exigir, impacientemente, os restos das refeições. Há muitas histórias em torno dos animais. Uma das mais curiosas, que já me tinha sido contada pelo Alcides, é a da lata das guias.

Recordo-me de ainda haver a lata das guias, porque na altura havia muito contrabando e havia muita fiscalização da guarda fiscal.  Nós tínhamos uma lata e cada vaca tinha um cartão, como tem hoje, uma identificação, e eles eram obrigados a acompanhar a vezeira com a guia das vacas. Tinham numa lata que era a lata das guias, uma lata quadrada, mais ou menos como as guias, onde as guias estavam ali todas encaixadinhas. Se viesse a guarda fiscal tinha de se apresentar a identificação de todos os animais que lá estavam porque, se não mostrassem, podiam-nos prender a pensar que era contrabando e por isso era obrigatório os vezeiros andarem sempre com a lata…eu tinha 6 anos ou 7 e lembro-me porque essa lata durou até ao 25 de Abril, só após a revolução é que essa lata deixou de existir, deixou de ser obrigatório o acompanhamento das guias com os animais (Alcides) 



Foi um longo dia. E esta semana não vai ser nada fácil. Começámos com vacas e vamos acabar com abelhas :)

3 comentários:

  1. Gado rústico e bonito esse!

    Parece muito bem enquadrado na paisagem natural.

    E a comida parece ser mesmo boa!


    Obrigado pela partilha.




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  2. Olá


    Queria pedir-lhe autorização para o uso destas fotografias, para uma campanha de conservação de ecótipo primitivo da Raça Barrosã.
    Agradeço que me diga que nome quer ver, na descrição da foto (se quiser, claro).
    A campanha ficará ao acesso do público dentro de pouco tempo.

    Com os melhores cumprimentos,

    Gonçalo Figueira

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  3. Caro Gonçalo
    Agradeço que me envie um mail (niniaraujo@gmail.com) para que eu possa perceber exatamente que tipo de campanha é e, eventualmente, definir os termos da minha colaboração.

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Sou uma antropóloga que só pensa em comida...
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